sexta-feira, abril 25, 2014

Quem é esse homem

Perguntas ecoavam por todos os cantos do Oriente Médio ainda hoje chamado de Palestina. Os senhores da situação e donos do tempo perguntavam constantemente: Quem é esse cidadão? De onde ele vem? Não podemos acreditar que essa criatura tão estranha, tão cheia de exigências possa vir mudar nossas vidas! O que pensa ele que é? Um predestinado? Um salvador da humanidade? Duvidemos disso. Diziam eles que o homem valorizava os escravos, as crianças e as mulheres. A estas deu religião e respeito. Deu o direito de testemunharem, condição negada até então. E mais, sacou qualquer tipo de condenação que lhes pudessem ser injusta; expulsou vendilhões dos templos; restituiu a saúde de enfermos, leprosos e cegos aos sábados, dia impróprio a qualquer atividade; esse cidadão não se defende quando o insultam, onde está seu brilho? Pois é, foi Ele mesmo que deu um depoimento dos mais significativos que se possa conhecer. No momento de Sua despedida entregou às pessoas que lhes eram próximas todos os seus pertences orientando a cada um deles como deveriam ser aproveitados. Disse o Mestre: “Eu, Jesus de Nazaré, vendo próxima a minha hora e estando na posse das minhas plenas faculdades para assinar este documento, desejo repartir os meus bens entre as pessoas que me são próximas. Como cordeiro e sendo entregue para salvação da humanidade, creio conveniente repartir entre todos vocês. E assim deixo-lhes todas as minhas coisas que desde o meu nascimento estiveram presentes na minha vida e a marcaram de um modo significativo: A estrela, aos que estão desorientados e necessitam ver claridade para continuar em frente. Que ela possa guiar seus passos e com ela possa guiar de outros. O lugar da manjedoura, aos que não têm nada, nem sequer um local para se albergar ou um fogo onde se acalentar. Minhas sandálias são suas. Entrego àqueles que desejarem empreender um caminho novo e aos que estiverem sempre dispostos a ensiná-lo a outros. A bacia, onde lhes lavei os pés, para quem quiser servir, para quem desejar ser pequeno diante dos homens, pois será grande aos olhos de meu Pai. O prato, onde parti o pão é para os que se propuserem a viver em fraternidade, para os que estiverem dispostos a amar acima de tudo. O Cálice, deixo-o aos que estiverem sedentos de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa. A cruz, para todo aquele que estiver disposto a carregá-la como parte de sua história. Minha túnica, a todo aquele que queira dividi-la com quem dela necessite. Também quero deixar como legado à humanidade inteira, as atitudes que me guiaram na vida, atitudes que eu quero que guiem também vossas vidas. Minha palavra, e todo ensinamento confiado por meu Pai, a todo aquele que a escutar e a puser em prática. A alegria, a todos aqueles que desejarem partilhá-la. A humildade, para quem estiver disposto a trabalhar em favor de todos meus irmãos. Meu ombro, a toda criatura que necessite de um amigo em quem possa reclinar a cabeça quando abatido pelo cansaço, para ganhar forças e continuar sua caminhada. Meu perdão, para aqueles que dia após dia, pecado após pecado, saibam retornar aos anseios do meu Pai. Naturalmente, sinto especial predileção pelos menos privilegiados. Tudo isto e ainda mais quero deixar-lhes, mas, sobretudo, é a minha vida que lhes ofereço. Sou eu mesmo, que fico convosco para continuar caminhando juntos, partilhando preocupações e problemas, mas também alegrias. Transmito-lhes a vida, mas vós também podeis transmiti-la. Mantenham-se unidos e amem-se de verdade. Eu vos amei ao extremo e vos levo no Meu coração. Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim de todos os tempos.

A doce ternura da infância

Numa bonita manhã de sol quando me postava comodamente sentado num desses bancos de encostos curvos de jardim, coberto de primaveras coloridas em rosa choque, aproximaram-se de mim quatro ou cinco crianças. Conversavam despreocupadas e inocentemente discutiam assuntos de seus domínios e que eu achei muito interessante. Encantei-me com o que via e ouvia. Uma das crianças perguntava às outras se conheciam o novo coleguinha do bairro, menino humilde, educado e cheio de graça. Cabelo negro e curto, bem aparado e com um pequeno redemoinho do lado direito que lhe dava um toque infantil todo especial. Dentes perfeitos. Um doce de criança. Unanimemente responderam que não conheciam. Mas as perguntas sobre essa criança foram uma chuva de curiosidades. Coleciona borboletas? Roda pneu nas calçadas? Sabe assobiar sem colocar apito na boca? Tem cachorrinho lulu em casa? Sabe contar historinhas do Mickey? Conhece Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio e a Fada Madrinha? Tem bolinhas de gude no bolso? Sabe pular amarelinha? Sabe jogar trilha? Conhece a magia do ‘passar anel’? Brinca de piqui? Solta balão? Roda pião? Sabe recitar? Que cor é a casa dele? Tem quintal grande com flores no parapeito das janelas? Bem, se ele sabe, se ele tem, se ele brinca com tudo isso, comentou o menino que trouxe a notícia: é mais um amiguinho que ganhamos na turma. Vamos visitá-lo e saber como é sua mamãe. Será brava? Deixará a gente brincar juntos? Tudo isso me fez pensar como são inocentes todas as crianças longe da adolescência. Como elas se diferem nos modos, no jeito, na forma de agir dos adultos. O assunto acabou entre aquelas crianças e elas foram embora. Continuei no banco a balançar a cabeça e a pensar como as pessoas nascem puras de coração e alma. Confesso que tive inveja dessa fase tão significativa que vive os pequeninos. Vontade imensa de mandar embora a frieza e a praticidade que o mundo adulto me impregnou ao longo dos anos. Que saudosa lembrança eu tive de voltar a ser chamado de ‘meu menino’. A vida é assim, não tem volta. Por isso precisamos deixar nossas páginas bem escritas e sem erros. Para me deixar ainda mais encabulado e surpreso, aproximaram-se do mesmo lugar onde as crianças estavam quatro ou cinco rapazes, de postura adulta e se puseram a tecer comentários dos mais diversos. Por incrível que pareça um dos assuntos deles era o mesmo dos ausentes infantis. O linguajar era outro, claro. Perguntas sobre a nova garota recém-chegada ao bairro. De onde ela veio? Tem namorado? Será que topa ir à balada conosco? O pai é rico? Que formação tem? Quanto ganha? Que ano e modelo é seu carro? Será que possui milhões em banco? Tem formação superior? Casa confortável? Piscina? Dança? Conhece o exterior? Cabelos longos? Saia curta? Os adultos perdem o encantamento das crianças assim que a barba lhes cobre o rosto ou suas axilas já podem ser depiladas. Pouco há o que fazer com eles. Fico perplexo hoje quando ouço o som dos carros que andam. Nem precisam ser do último tipo, mas o som de dentro deles é insuportável para os tímpanos. Creio eu, que essa geração vai migrar muito cedo para uso de aparelhos auditivos. Têm ganância pelo supérfluo, pelo menos justo, pelo impossível. Quanto tempo o exemplo dos pequeninos vai demorar a incutir nesses adultos as lições que precisam aprender! A criança é um exemplo de conduta. Tem colo que acolhe, tem braço que envolve, tem palavra que conforta, tem silêncio que respeita, tem alegria que contagia, tem lágrima que corre, tem olhar que acaricia, e melhor, tem um doce amor no pequeno coração que possui.

A dramaturgia perde um pedaço de si

Nesta semana que passou a dramaturgia perdeu um de seus braços. Sai de cenário para sempre José Wilker, sem dúvida, um exemplo de profissional como tantos outros que se foram ou que aqui continuam conosco. Substituto para ele não tem, como não há para ninguém quando parte deste mundo. Seu legado é de tamanho incomensurável. Cremos nós, que a morte não encerra o espetáculo. Não é e nem pode ser o fim de tudo, mais que isso, um começo de outra existência. Na morte o corpo físico vai embora dando lugar a um corpo místico, que chamamos de alma. A criatura humana desaparece, mas alguma coisa a substitui mostrando que tudo não acabou. Alguém deve se apresentar e dizer: Eu sou a alma. No túmulo, nada mais ficou do que minhas vestes. A vida que recebi de Deus continua. O assopro divino é eterno e não momentâneo. Quando Ele me assoprou a vida o foi para sempre. Agora eu respiro outros ares. Não sinto dores. Aspiro ar livre e só vejo luz. Assim somos nós. Quando enclausurados, não duvidemos da luz lá fora e nem da liberdade grandemente sonhada. Nunca nos será permitido duvidar de qualquer hipótese de futuro. O além será sempre uma surpresa, mas, com certeza, das melhores. A alma não tem fronteiras, portanto não fica restrita a apenas um pedaço de chão que os homens apelidaram de Terra. Nosso corpo físico está mais para matéria distorcida do que propriamente um ser humano perfeito. O trabalho de Deus foi criar a alma, essa sim é igual e perfeita em todas as criaturas. Se não a possuirmos dentro do corpo estaremos definitivamente mortos. No mundo da coisa física amanhece e anoitece todos os dias, no mundo do corpo místico só existe claridade. Uma célebre frase de Vitor Hugo diz: “A alma, que estava vestida de sombra, vai ser vestida de luz. A vida é o poder que tem o corpo de manter a alma sobre a terra, pelo peso que faz nela”. As almas mudam de endereço e vão curtir outra vida no mundo da luz, para muito além de qualquer tipo de sombra. Com certeza, muito mais perto do ponto de reunião no infinito, onde Deus nos aguarda como filhos. Esse é o lugar onde o Criador encontra a criatura. Muitos consideram um desastre a última viagem, mas nos parece mais uma simples mudança. Não tememos a nossa jornada em direção ao infinito do sempre. Vamos acreditar que fizemos o melhor de nós enquanto aqui estivemos, porque isso é valioso, nos preparando para a grande viagem ao eterno, onde, sem dúvida, o grande artista brasileiro José Wilker acabou de chegar.

sábado, abril 05, 2014

Um dia de lembranças

Dia desses, revendo uma dessas gavetas que a gente pouco observa o que têm, encontrei uma camisa axadrezada, de quadrículas azuis turquesa, embaixo de outras vestimentas fora de uso que ali ficam postadas. Essa camisa tem um significado extremamente importante para mim. Quando a toquei, revi parte da minha história que o tempo havia amarelado e colocado no esquecimento. Assim como ele faz implacavelmente com a memória do dia a dia de cada um de nós. Na medida em que escrevemos a nossa história, o tempo inocentemente apaga. Recordo-me que meses antes de minha mãe partir para o sempre, me disse que iria comprar um tecido e fazer uma camisa para eu usar quando fosse para o campo em busca de guabirobas. Aquela fruta saudável e saborosa que a criança moderna não conhece. A camisa é de pano comum, desses que você encontra em qualquer loja que ainda vende tecidos a metro. O significado dessa camisa é de uma grandeza sem tamanho. Minha mãe era uma senhora de prendas domésticas incalculáveis, como a maioria do seu tempo. Fazia guloseimas de todo tipo. Ninguém conseguia sair de minha casa sem que experimentasse algum tipo de doce feito no fogão à lenha, ou naquele forno redondo de tijolos e barro comum que ela mesma construiu sobre um tablado de madeira rústica, coisa daqueles tempos. Saudades da sua forma de ser, tão comum, mas de habilidades incomparáveis. Utilizando-me da analogia, na confecção da camisa naquele rústico tecido, essa mulher usava toda sua sabedoria, revigorando e reforçando as costuras de proteção à vida de cada um de seus filhos. Era protetora de todos, nos empurrava a enfrentar a vida encarando todo tipo de adversidade que o tempo nos impunha. Suas habilidades, no alinhavo da minha camisa uniam as partes do molde e não esquecia que cada uma delas era diferente da outra e que juntas fazia um todo perfeito, assim como nossa família naqueles tempos, necessitava. Demonstrava enorme preocupação ao fazer cada vestimenta, assim como se preocupava que crescêssemos impedidos de desfrutar dos mais puros e livres ideais. Suas mãos, sempre que necessário, remendavam todas as partes desarranjadas de nossas roupas, porque era sua pretensão não permitir que caminhássemos de coração em fiapos ou postados no último lugar de qualquer uma das filas. As mãos de minha mãe juntavam pedaços de pano comum, de todo tipo e de todas as cores, para que tivéssemos uma manta única e nos cobrisse na medida de nossas necessidades. As mãos de minha mãe mantinham em suas palmas presilhas e botões, segurando-os um grudado ao outro para que continuássemos unidos e nunca perdêssemos a esperança por maiores que fossem as dificuldades enfrentadas. As mãos de minha mãe aplicavam elásticos às roupas, quando necessários, para que pudéssemos nos adaptar a todo tipo de inconveniência e fôssemos flexíveis às exigências do tempo e da modernidade. As mãos de minha mãe bordavam maravilhas em tecidos, assim como queria ela que a vida nos desse de presente todas as suas dádivas de embelezamento. As mãos de minha mãe sempre coseram bolsos para guardar neles moedas cunhadas por nossas melhores recordações e por nossas identidades. Quando calada, zelava pelos nossos sonhos e nos alimentava com ideais de um pó mágico que tinha o binômio de dignidade e grandeza. As mãos de minha mãe seguravam-nos com linhas mágicas de costura, nos fortalecendo, para que quando entrássemos na vida adulta tivéssemos a certeza de bem vesti-la. É claro que você deve estar se lembrando de sua mãe também. Se ela se foi como foi a minha, deve ter lembranças saudáveis assim como eu. Se ainda a tens, valorize seus dias e reconheça nela a sua melhor companhia. Sei muito bem que as mãos de minha mãe onde quer que estejam hoje continuam orando por mim e por todos seus filhos. Neste momento eu as beijo como se com isso eu pudesse receber mais uma vez sua a santa bênção.